Utilizando as boas práticas dos seus parceiros URBACT, as cidades estão a envolver os residentes na regeneração dos seus próprios bairros.
Como podem as cidades sustentar os esforços de regeneração urbana em tempos de austeridade? Como podem elas incentivar as pessoas a trabalharem em conjunto em projetos para revitalizar a sua área local, em vez de competir por financiamentos? Estes são apenas dois dos grandes desafios que as autoridades continuam a enfrentar, apesar de uma longa história de políticas comunitárias de combate à pobreza urbana. O perito URBACT Iván Tosics analisa duas cidades que estão a adotar novas abordagens de base comunitária na reabilitação urbana - graças à inspiração das cidades parceiras URBACT.
Combatendo a pobreza urbana
Durante o City Lab, representantes de cidades da UE destacaram dois tipos de problemas ligados às intervenções de base territorial. Um deles é que as políticas, os quadros institucionais e as condições de financiamento das intervenções de base territorial são, na sua maioria, determinados ao nível nacional, dando às cidades relativamente pouca margem de manobra para estas fazerem as suas próprias escolhas. O outro refere-se aos limites do envolvimento real dos residentes: geralmente os governos formais detêm a maioria dos poderes de decisão sobre as áreas desfavorecidas, não conferindo poderes reais aos cidadãos sobre as decisões essenciais em matéria de reabilitação urbana no seu próprio bairro.
A crise associada à Covid-19 eclodiu apenas algumas semanas após a conferência URBACT realizada no Porto. Embora, à primeira vista, "todos tenham sido afetados" pelas políticas de confinamento, rapidamente se tornou claro que os mais afetados foram aqueles que já estavam em risco de pobreza e exclusão. A capacidade de resiliência das pessoas apresenta uma forte correlação com os seus rendimentos, trabalho e condições de habitação - como referido no nosso artigo anterior, " O que estamos a viver não é simplesmente uma crise sanitária".
Experimentando um maior envolvimento dos residentes
Não é de admirar que, nestas condições, as cidades estejam à procura de novas abordagens para apoiar os seus residentes mais pobres e os bairros desfavorecidos. Há um entendimento crescente de que políticas do topo para a base, mesmo que concebidas com as melhores intenções pelos governos locais, por si só, raramente alcançam resultados duradouros em termos de melhoria de vida dos residentes. O êxito limitado das formas tradicionais de políticas de base territorial levantou esta questão-chave: "Como aumentar a eficiência através de um envolvimento mais estruturado e mais forte dos residentes na conceção e implementação de programas de reabilitação dos bairros?"
No âmbito da edição online do URBACT City Festival
Lille: novo sistema de financiamento concebido para áreas desfavorecidas
Lille foi uma das oito cidades parceiras da rede URBACT Com.Unity.Lab, que transferiu boas práticas de Lisboa (PT), enquanto Birmingham foi parceiro da rede URBACT URBAN REGENERATION MIX, tendo transferido boas práticas de Łódź (PL).
Lille Métropole (metrópole constituída por 95 municípios) é um parceiro ativo da política urbana francesa denominada Politique de la Ville. Os 26 bairros prioritários identificados na região abrangem mais de 200 000 habitantes, ou seja, um sexto da população total da metrópole. O programa Politique de la Ville de Lille baseia-se num contrato público entre o município e 50 parceiros. Neste contexto, um elemento importante é o sistema de financiamento: todos os anos são gastos 40 milhões de euros em convites à apresentação de propostas, financiando 1 000 projetos em diferentes domínios, incluindo desenvolvimento económico, educação, desporto, cultura e condições de vida.
A boa prática URBACT original, de Lisboa, é muito complexa, envolvendo quatro elementos diferentes. Lille aderiu à Rede de Transferência Com.Unity.Lab com o objetivo de transferir o elemento "Financiamento" de Lisboa a fim de melhorar o seu próprio sistema. A inovação mais importante diz respeito à forma como os financiamentos são utilizados.
Os diagnósticos mostraram que as formas habituais de convite à apresentação de propostas não estão a funcionar adequadamente em Lille, sendo os concursos bastante competitivos e excluindo a cooperação entre as partes interessadas. O sistema de convite à apresentação de propostas de Lisboa exige que pelo menos duas entidades se candidatem em conjunto, o que reforça a cooperação nos bairros. Embora este seja um passo importante, o próprio sistema de convite à apresentação de propostas pode não ser a melhor ferramenta para conseguir o envolvimento dos residentes, uma vez que se concentra nas questões relativas ao dinheiro, enquanto muitas iniciativas necessitam de outros tipos de apoio, tais como empréstimos para instalações ou equipamentos, ou melhorias nas competências. Como consequência, Lille estava à procura de outros métodos para ajudar as partes interessadas locais, a fim de reforçar o interesse na participação cívica, na vida comunitária e no desenvolvimento endógeno.
Identificação do potencial local
Lille modificou, assim, o seu sistema tradicional de "convite à apresentação de propostas" de duas maneiras: além de exigir que pelo menos duas entidades se candidatem em conjunto, adotou ainda a ideia de reforçar os elementos qualitativos, oferecendo ajuda institucional às partes interessadas através de uma abordagem baseada no processo de conceção (design thinking). Em vez de um simples convite à apresentação de propostas nos bairros identificados, os organizadores perguntam: "De que é que a sua área precisa?" É organizada uma "fábrica de projetos", com base em workshops locais, em que se ouvem as ideias das pessoas. Em Lille isto está a ser implementado com orientação e ideias de François Jégou, perito URBACT e diretor da Strategic Design Scenarios.
Este tipo de workshops ajuda a atrair novos parceiros no bairro, incluindo o setor privado, grupos de residentes e novas ONG. Os workshops promovem um desenvolvimento mais participativo, permitindo o envolvimento de grupos informais de residentes em projetos. Além disso, também fomentam projetos que podem alcançar a sustentabilidade financeira. A nova abordagem está atualmente em experiência, com workshops de conceção em dois municípios selecionados.
Lille transferiu a boa prática de Lisboa de uma forma inovadora, criando uma nova dinâmica numa fase-piloto que deverá durar mais dois anos. O objetivo é então estender o método a outras áreas de Lille Métropole, com condições específicas que determinarão quantas organizações devem ser incluídas. Resta saber até que ponto esta inovação institucional modificará o programa Politique de la Ville.
Birmingham: capacitar os representantes da comunidade para se tornarem mediadores
Birmingham foi parceira da rede URBACT URBAN REGENERATION MIX, transferindo boas práticas de Łódź - particularmente na nomeação de mediadores no processo de reabilitação urbana.
Birmingham foi duramente atingida pela grande crise financeira e pelas posteriores medidas drásticas de austeridade nacional. As enormes reduções orçamentais levaram a um corte de 50% na força de trabalho do Município de Birmingham. A Equipa de Regeneração foi uma das primeiras a ser dissolvida. Como resultado, quase todos os projetos de regeneração urbana foram interrompidos, com exceção da "reabilitação de habitação", impulsionada por promotores privados e centrada no investimento de capital, com pouco financiamento para projetos sociais associados.
Esta austeridade financeira a nível do governo local contrasta fortemente com o rápido crescimento da população de Birmingham: prevê-se que serão necessárias mais 80 000 habitações até 2032. Como fazer mais pela cidade em crescimento perante um município em crise financeira? Este é um dos principais desafios da cidade. Nesta situação, as competências das comunidades têm de ser suficientemente reforçadas para poderem levar a cabo ações autossustentáveis, sem necessitarem do apoio financeiro permanente do setor público.
Em 2017, o projeto USE-IT, financiado pela Urban Innovative Actions (UIA) permitiu uma nova abordagem, com uma parceria inovadora que acrescentou intervenções "centradas no ser humano" ao Plano Diretor de Habitação. A nova abordagem foi continuada com mais inovações ao longo da rede de transferência URBACT URBAN REGENERATION MIX.
Capacitando mediadores comunitários
Birmingham assumiu o espírito da boa prática de Łódź, mas aplicou-a com alterações significativas, não dispondo dos meios financeiros de que despunha Łódź provenientes dos Fundos Estruturais. O modelo original de mediadores municipais foi adaptado a um modelo que capacitava os representantes da comunidade a tornarem-se mediadores. Uma vez formados, os representantes comunitários nomeados, que vivem no território-alvo, tornam-se embaixadores ou negociadores/mediadores permanentes, reforçando a confiança dentro da comunidade local, comunicando com o município e compreendendo progressivamente os desafios de ambos os lados. A ideia do papel de ligação à comunidade motiva pequenos grupos de residentes a adotar ações da base para o topo, promovendo neles o sentido de comunidade e responsabilidade pelo espaço e pelos vizinhos com quem o partilham.
O projeto também introduziu uma abordagem inovadora de Planeamento do Desenvolvimento Económico Comunitário (PDEC), incentivando o desenvolvimento económico local gerador de bem-estar humano. O poder de impulsionar mudanças encontra-se na comunidade de residentes, empresas locais e prestadores de serviços locais, incluindo conselhos, grupos comunitários e organizações do setor voluntário com participação direta na saúde económica da área.
As principais lições aprendidas pelo Município de Birmingham podem ser resumidas do seguinte modo:
- Abster-se de liderar iniciativas e parar de se obcecar com os resultados e líderes da comunidade;
- Evitar a dependência de subsídios, abrindo portas que liguem pessoas que de outra forma não se envolveriam;
- Aproveitar as vitórias iniciais para desbloquear mais oportunidades;
- A necessidade de um conjunto de novas competências nas autoridades locais - assumir mais riscos e abertura à inovação.
Rumo à reabilitação urbana liderada por residentes
Estas experiências promissoras em Lille e Birmingham sugerem que, no período pós-Covid, é chegado o tempo de atualizar a maneira como a Política de Coesão apoia à regeneração de áreas prioritárias. Esta nova filosofia das intervenções de base territorial implica incentivar as pessoas para que elas próprias descubram o que é melhor para o seu território. Assim, não deve ser exigido que os planos de regeneração estejam prontos antes da chegada do financiamento - estes planos devem ser desenvolvidos num processo de planeamento de ação com o forte envolvimento dos residentes locais.
Tudo isto significa, na terminologia da Política de Coesão, reforçar o elemento de Desenvolvimento Local de Base Comunitária (DLBC) na conceção de intervenções de base territorial. Este foi também um elemento-chave da proposta política do Pacto Local URBACT, em julho de 2020. A próxima presidência francesa será a ocasião ideal para debater esta nova abordagem e promover a sua aplicação.
Este artigo é o primeiro de uma série que explora os últimos desafios do desenvolvimento urbano sustentável, baseados em discussões com as cidades e com os principais especialistas presentes no URBACT City Festival 2021. Fique atento aos próximos artigos sobre temas que vão desde as questões de género nos contratos públicos até à gestão das alterações climáticas pelas cidades. Veja aqui as gravações dos pontos altos do festival .
Texto da autoria de ivan.tosics, submetido a 2 de setembro de 2021