Este artigo foi publicado pela primeira vez em 2019 e, no entanto, afigura-se mais pertinente do que nunca.
Em 2019 a Comissão Europeia publicou um documento de reflexão há muito aguardado, definindo a estratégia da UE para enfrentar duas das maiores ameaças do nosso tempo: a pobreza e as alterações climáticas. Foram necessários três anos para a elaboração deste documento, que confirma o compromisso da União para a construção de uma economia sustentável até 2030. Recorrendo aos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU, o relatório identifica várias áreas em que se deve investir. A economia circular, a digitalização e a mobilidade verde são todas apontadas como as principais prioridades que devem ser integradas num “plano de gestão da crise global” mais amplo. Como o documento deixa claro, tal plano não se refere apenas à prevenção de catástrofes, mas também à melhoria da qualidade de vida de todos os seres vivos.
No entanto, à medida que a urgência de combater a destruição ambiental se torna cada vez mais evidente, com estudos que revelam a escala da destruição da biodiversidade, muitos criticam a comissão por não ter ido suficientemente longe. Das greves escolares, aos protestos da Extinction Rebellion (Rebelião contra a Extinção), às propostas para um novo pacto ecológico, os cidadãos de todo o mundo exigem um roteiro para a mudança baseado em medidas concretas. Infelizmente, o relatório oferece muito poucas. Como Patrizia Heidegger, diretora do Gabinete Europeu do Ambiente (EEB), disse na altura:
"O momento de reflexão foi em 2015, quando a UE e os seus Estados-Membros subscreveram os ODS. Agora é o momento para compromissos ambiciosos [...] a UE tem uma das piores pegadas ambientais per capita do mundo, com os nossos estilos de vida insustentáveis baseados na exploração dos recursos e da mão-de-obra noutras partes do mundo. A economia do futuro precisa de ter em conta o impacto ambiental e social para além das nossas fronteiras, em vez de viver na ilusão de uma Europa hipocarbónica e eficiente em termos de recursos, que exporta uma produção intensiva em recursos para outras partes do mundo".
E há outras preocupações mais próximas de nós. Embora o documento reitere que os ODS servirão de bússola para a futura estratégia, uma análise mais detalhada revela que, de facto, ficará, em grande parte, ao critério dos Estados-Membros a forma como estes serão implementados. Não haverá "nenhuma obrigação" dos governos nacionais, diz o relatório, acrescentando que, pelo contrário, estes terão "mais liberdade" para decidir "se e como ajustarão o seu trabalho" com base no plano. Dada a tendência dos governos de contornar as leis da UE - quanto mais as metas não vinculativas - não é certo que as medidas aqui delineadas sejam suficientes para enfrentar o desafio que se avizinha.
O que significa isto para os agentes urbanos?
À medida que as instituições nacionais e transnacionais se dividem quanto
às suas respetivas responsabilidades, as cidades desempenharão um papel vital no eventual sucesso ou fracasso do objetivo do documento. Até 2050, 80% dos europeus viverão em áreas urbanas. Só este facto demonstra como a capacidade de adaptação e inovação das cidades irá determinar as tendências globais. A resposta da plataforma multi-stakeholder ao documento de reflexão enfatiza isso mais do que o próprio documento da comissão. Embora as instituições transnacionais tenham um papel vital na definição da estratégia, afirma, só as cidades têm as estruturas democráticas apropriadas para permitir que a mudança seja implementada de forma eficaz. Ao "reforçar cuidadosamente a participação dos habitantes" e "tendo em conta as especificidades territoriais, os padrões culturais e as expectativas", os atores urbanos podem, concluem, servir de catalisador para a mudança.
O quadro geral, no entanto, está longe de ser cor-de-rosa. Na verdade, uma das conclusões mais preocupantes do documento de reflexão é a relativa falta de preparação das cidades para enfrentar os desafios que se avizinham. Os números são muito claros. Como a investigação associada revela, apenas 26% das cidades da UE e 40% das grandes cidades (aquelas com mais de 150 000 habitantes) têm planos de adaptação para o futuro, baseados em modelos sustentáveis. Sem uma enorme mudança, qualquer tentativa de implementar objetivos mais amplos, a nível transnacional, parece condenada ao fracasso. Poder-se-ia esperar um conjunto sólido de orientações da comissão que permitisse evitar um tal desastre. Mais uma vez, porém, as orientações são bastante limitadas. Embora o documento de reflexão dirija os agentes urbanos para as iniciativas existentes, como o Pacto de Autarcas para o Clima e a Energia, o Prémio Europeu do Desenvolvimento Sustentável e a Agenda Urbana para a UE, está longe de apresentar recomendações políticas mais estruturadas. Dada a escala da emergência que enfrentamos, a ausência de qualquer protocolo sistémico é, sem dúvida, uma deceção.
O que deve ser feito?
Ao longo de 2019, Greta Thunberg dominou a atualidade com o seu apelo franco e intransigente à ação contra a emergência climática. A sua mensagem, "a nossa casa está a arder", recorda-nos que nenhum de nós pode ficar parado. Como ela disse na altura num discurso, "Devemos mudar quase tudo nas nossas sociedades atuais [...] quanto maior for a sua pegada de carbono, maior será seu dever moral. Quanto maior for a sua plataforma, maior será a sua responsabilidade".
Isto não foi apenas um chavão difundido através dos meios de comunicação social. Mas antes um apelo dirigido diretamente aos decisores políticos, incluindo os agentes urbanos. Da mesma forma que os cidadãos devem alterar os seus comportamentos, as cidades devem tomar a iniciativa. Tal não pode, contudo, significar simplesmente o respeito dos ODS e dos programas definidos pela comissão. Exige também a adoção espontânea de políticas inovadoras e sustentáveis.
O URBACT está repleto de exemplos de cidades que foram além dos critérios identificados no documento de reflexão. A Rede de Transferência BioCanteens#2 é um desses exemplos. Ao implementar novos processos de triagem e incentivar os alimentos biológicos de origem local, a rede permitiu às escolas encontrar alternativas à produção industrial de alimentos. Para alguns participantes, isto resultou numa redução de 80% dos resíduos alimentares, sem custos adicionais para os municípios. Outro caso é o BeePathNet Reloaded, uma rede destinada a combater os danos à biodiversidade, incentivando a criação de abelhas. À medida que os números diminuem em todo o mundo, Ljubljana (SI) abriga agora 180 milhões de abelhas graças a esta iniciativa.
A Comissão salienta acertadamente o papel que a tecnologia pode desempenhar na promoção de uma política de sustentabilidade. As ferramentas digitais, porém, não são uma solução milagrosa e não podem ser utilizadas como substitutos da organização comunitária. Cidades como Tallinn (EE) são bons exemplos de como deve ser o equilíbrio. Desde 1991, o município tem organizado uma campanha de limpeza de primavera anual com muito sucesso. Usando uma combinação de TV, cartazes, redes sociais, tem sido capaz de sincronizar uma vasta operação de "limpeza" por todos os distritos, combatendo a acumulação de lixo em toda a área urbana em questão. Uma iniciativa mais tecnológica, de alcance semelhante, é a plataforma multimédia Tropa Verde Santiago. Ao recompensar o comportamento ecologicamente consciente dos cidadãos com vouchers que podem ser trocados por recompensas reais, a cidade tem promovido com sucesso uma nova cultura de reciclagem.
Estas são alterações simples que podem ser facilmente implementadas. A estratégia da UE continua a evoluir, mas as instituições precisam de ser impulsionadas, inclusive pelas cidades. No imediato, ainda há tempo para enviar à comissão comentários sobre o documento de reflexão, utilizando a plataforma Europe Direct.* Este é um bom princípio para garantir que as lacunas são comunicadas, bem como as ideias sobre prioridades políticas e sugestões úteis. De forma mais profunda, porém, o documento de reflexão revela a necessidade permanente de uma partilha orgânica de conhecimentos. Isto não significa reinventar a roda. Como mostram as redes URBACT, já existem projetos que estão apenas à espera de serem transferidos para outras cidades. A adaptação e partilha destes exemplos será certamente um bom começo na promoção de práticas sustentáveis a nível pan-Europeu.
* Nota: já não se encontra disponível.
O recentemente aprovado Programa URBACT IV (2021 -2027) presta especial atenção à sensibilização e capacitação de todos os atores do programa para melhor incluir questões transversais, tais como cidades verdes, transição digital e igualdade de género.
Artigo escrito pelo jornalista Jamie McKay em maio de 2019.
E novamente editado pelo URBACT em 13/10/2022.