Um sentido de lugar: afirmação de uma identidade no Norte de Portugal

Edited on 04/07/2025

Barcelos

Praça em Barcelos, Portugal © Brain

No Noroeste de Portugal, quatro cidades com quatro contextos urbanos diferentes juntaram-se para criar a Associação Quadrilátero Urbano, um instrumento político que combina os pontos fortes dos seus membros: Barcelos, Braga, Vila Nova de Famalicão e Guimarães.

Se não os podem vencer, trabalhem em conjunto.

 

As rivalidades antigas dão muitas vezes origem às melhores histórias. Mas, nos tempos atuais, em vez de afastarem, as características distintas que dão origem a rixas intemporais entre cidades podem ser transformadas em vantagens coletivas. No noroeste de Portugal, quatro cidades com quatro contextos urbanos diferentes juntaram-se para criar a Associação Quadrilátero Urbano, um instrumento político que combina os pontos fortes dos seus membros: Barcelos, Braga, Vila Nova de Famalicão e Guimarães. Separadas por uma média de 20 quilómetros, as quatro cidades têm cada uma a sua identidade distinta. Em vez de competirem pela proeminência, como o contexto histórico poderia encorajar, cada cidade está a melhorar a sua política pública, apoiando-se em atributos específicos de uma forma invulgarmente moderna.

Guimarães ostenta o nobre título de “Berço de Portugal”. Uma placa nas antigas fortificações da cidade proclama a frase “Aqui nasceu Portugal”. A uma curta distância de viagem fica a cidade de Vila Nova de Famalicão, a Cidade Nova de Famalicão. Uma cidade ostenta história enquanto outra evoca a juventude no seu nome. Braga é conhecida como a cidade das igrejas, mas em pleno século XXI, a cidade acredita na cultura, na sua juventude e na diversidade dos seus habitantes recém-chegados. Erguendo-se sobre o rio Cávado, e rica num barro particularmente adequado à produção de cerâmicas admiráveis, nomeadamente a emblemática estatueta do galo português, Barcelos é a capital dos artesãos e do artesanato.

 

A imagem de marca da cidade: mais do que um “slogan”

 

A marca de Helsínquia ornamenta o edifício da Câmara Municipal

 

Com esta proximidade, a identidade e as tradições locais são a chave para a vitalidade económica e social das quatro cidades, incutindo um sentimento de orgulho em toda a região. A imagem de marca da cidade (city branding) é um fenómeno relativamente novo, mas que sempre existiu na consciência cultural. Nova Iorque é a cidade que nunca dorme. Paris é a cidade das luzes. Numa era de intensa globalização e de cansaço das grandes cidades, as cidades mais pequenas procuram afirmar-se como uma alternativa às megalópoles muito densas. A marca do lugar (place branding) desempenha um papel fundamental na criação de uma nova identidade para áreas urbanas menos conhecidas, permitindo às cidades mais pequenas competir com as capitais globais.

Muito mais do que um logótipo ou um slogan, uma imagem de marca de uma cidade bem-sucedida é sustentada por uma boa política e define a essência de um local, proclamando o que é que essa cidade tem para oferecer. Com demasiada frequência, uma imagem de marca de uma cidade não consegue ser profunda, optando por uma frase de impacto e um visual estereotipado destinado a resumir séculos de história e contexto em algumas centenas de pixéis. Visto pela lente da rede URBACT Cities@Heart, os centros das cidades servem de montra para as cidades em ascensão e para a identidade que escolhem para o seu futuro. Um exemplo famoso de uma marca de cidade revolucionária é o “Efeito Bilbau”. Outrora um centro industrial, a cidade convidou o museu Guggenheim a instalar um museu satélite no seu centro em declínio, um marco arquitetónico que conseguiu reposicionar a cidade basca como uma capital cultural no palco mundial no início do novo milénio. Com um número finito de museus internacionais, nem todas as cidades podem contar com o poder mediático dos “Arquitetos-estrela” (starchitects). Quer uma cidade abrace a sua história ou decida assumir um projeto de mudança da imagem de marca (rebranding), a autenticidade permanece no centro de qualquer iniciativa bem-sucedida de promoção dos lugares.

 

Barcelos : Artesãos ontem, engenheiros amanhã

 

Conhecer o trabalho de Rosa Ramalho © Brain

 

No âmbito da rede em que o Quadrilátero Urbano é parceiro, Barcelos posicionou-se como a cidade de artesãos e do artesanato. A sua estratégia adota uma abordagem holística para manter uma identidade como capital do artesanato. Durante anos, a cidade tem sido conhecida pelo seu próspero mercado onde agricultores e artesãos podem vender os seus produtos no centro da cidade. Agora, integrada na Rede de Cidades Criativas da UNESCO, a cidade está a trabalhar para preservar as competências tradicionais, e os decisores compreendem a necessidade de valorizar o artesanato de uma forma tangível.

Espaços como a casa de Rosa Ramalho e o Museu de Olaria elevam a tradição popular, enquanto o seu centro de artesanato dá formação à próxima geração de artesãos. O Instituto Politécnico da cidade, IPCA, atrai uma população jovem e propõe programas de ponta em design e têxteis. Entendendo que os jovens precisam de continuar as tradições e reinventá-las, a cidade propôs a criação deste programa de design onde os estudantes aprendem a combinar conhecimentos tecnológicos e artísticos. A vereadora da Câmara Municipal de Barcelos, Elisa Braga, invoca a noção de “placekeeping” (preservação do lugar) para a cidade, mantendo as raízes do património ao mesmo tempo que torna essas tradições relevantes.

 

Um laboratório urbano e social floresce em Guimarães

 

O centro da cidade património da UNESCO © Brain

 

Guimarães tem, provavelmente, o desafio existencial mais difícil das quatro cidades do Quadrilátero Urbano. Uma cidade identificada com o nascimento da nação e com um centro urbano classificado como Património Mundial da UNESCO, Guimarães poderia facilmente ter decidido construir o seu futuro sobre a glória do passado. A conquista do reconhecimento pela UNESCO inspirou Guimarães a concentrar-se na reinvenção. Em vez de contar histórias sobre edifícios e pessoas nos livros de história, Guimarães está a contar uma nova história construída em torno da inovação social e do património histórico e artesanal da cidade.

Segundo explicou o vereador da Câmara Municipal de Guimarães, Paulo Lopes Silva, “Caminhos da Cultura e da Criatividade” do programa Bairro C oferece um novo caminho para a articulação da identidade da cidade, funcionando como um laboratório urbano para criar novas relações entre a cidade, os artistas e a comunidade. O bairro tem como objetivo ser neutro em carbono e os quatro “C” do programa são: Cultura (Programação Cultural), Conhecimento (Conferências e Publicações), Criatividade (Arte Pública e Arte Urbana) e Comunidade (Mediação Cultural e Projetos Comunitários). Para a cidade de Guimarães, o centro da cidade é o local perfeito para testar abordagens inovadoras. O contexto urbano e social único do centro histórico permite a experimentação pelos cidadãos antes da implementação de novas estratégias, como as comunidades energéticas ou programas de gestão de resíduos mais sustentáveis a nível da cidade.

 

Em Famalicão, compensa usar o B-SMART

 

Vítor Moreira explica o funcionamento da plataforma B-Smart © Brain

 

O nome completo da cidade de Famalicão é “A Nova Cidade de Famalicão”. Inspirada no conceito “cidade nova” do Reino Unido e de França, esta cidade planeada surgiu na segunda metade do século XX e apresenta um centro urbano completamente moderno, sem os azulejos portugueses caraterísticos da região. Para a Quadrilátero Urbano, é um facto inegável que, quando comparada com as outras três cidades parceiras, no caso de Famalicão, a história não oferece muita matéria-prima. Felizmente, esta escassez de património não constitui um problema para um local que está a formar a sua identidade em torno da tecnologia e de uma estratégia de smart city. Para Francisco Jorge, Diretor de Financiamento de Famalicão, “a identidade não é o que somos ou fomos, é [também uma aspiração] para onde queremos ir”. Famalicão é uma cidade industrial, não é uma cidade património da UNESCO e essa é assumidamente a sua identidade, uma identidade que valoriza a política verde, a tecnologia, a conetividade e a participação cívica.

A iniciativa B-Smart de Famalicão exemplifica a filosofia da cidade e integra as categorias de Mobilidade, Governança, Qualidade de Vida, Economia e Experiência Humana para gerar um modelo de smart city prático e transparente, feito à medida das suas necessidades específicas. Como explicam Vítor Moreira e Edgar Azevedo, a cidade oferece três formas de integrar dados: informações submetidas pelos cidadãos, software gerido publicamente gerado por uma API (Application Programming Data) e imagens de dispositivos de monitorização. A equipa do B-SMART de Famalicão pode assim comparar os dados locais com os dados nacionais, identificar potenciais situações de risco e fornecer informações sobre as despesas públicas. Por exemplo, no portal da saúde, os dados mostram que 37% das pessoas internadas no hospital local receberam uma pulseira verde de baixo risco. Estes casos poderiam ser encaminhados para uma farmácia ou para um profissional de saúde e poupar recursos valiosos para a cidade. O seu programa é atualizado automaticamente para mostrar as despesas da cidade em tempo real, oferecendo transparência e informações úteis aos cidadãos ou potenciais investidores. Após um período inicial de arranque, a plataforma está pronta a funcionar e oferece um balcão único para recolher informações sobre a cidade e participar na sua melhoria.

 

Braga, uma nova devoção pela política cultural

 

Um mural no centro da cidade de Braga

 

Todas cidades de média e pequena dimensão, com menos de 200 000 habitantes, os quatro membros da Quadrilátero Urbano estão a desenvolver-se a uma relativa proximidade do Porto (menos de 1 hora de carro), cidade que tem vindo a crescer com o aumento do turismo e de empresas estrangeiras. O velho ditado português, “Porto, trabalha - Braga, reza”, rotula Braga como uma cidade de igrejas e fervor religioso. Num esforço para contrabalançar e modernizar esta imagem religiosa, a cidade tem investido esforços para se tornar uma vibrante capital portuguesa de cultura, de juventude e de vida noturna.

Anunciado na Conferência Anual da UNESCO de 2024 da rede de Cidades Criativas, em Braga, o Manifesto de Braga proclama o compromisso da cidade em tornar-se uma Cidade Europeia Criativa e Global de referência, colocando a cultura no centro da sua estratégia de desenvolvimento sustentável. Com uma candidatura ambiciosa, embora sem sucesso, para Capital Europeia da Cultura em 2027, em 2025, Braga assume o papel de Capital Portuguesa da Cultura. Durante a terceira reunião transnacional da rede URBACT Cities@Heart, Joana Fernandes, administradora executiva do Braga 25 Teatro Circo, explicou que a estratégia cultural de Braga não se resume à história, tratando-se também de storytelling: destacando as iniciativas para jovens, a tecnologia digital e os contributos culturais dos habitantes, nomeadamente das comunidades multiculturais lusófonas que recentemente fizeram da cidade a sua casa.

 

A diferença como fator-chave para a resiliência

 

Parceiros da rede Cities@Heart no Centro da Juventude em Braga

 

Por detrás das espessas muralhas do século XII, vulgares em Guimarães, é fácil perder todo o contacto com o mundo exterior, uma vez que a receção de telemóveis se torna irregular. Em Famalicão, um fiável modelo de smart city permite o acompanhamento em tempo real dos serviços e dos potenciais riscos para a saúde pública, como a presença de ninhos de vespas asiáticas invasoras. No meio destes contrastes, é evidente que cada cidade tem algo diferente para oferecer. Todas as cidades da Quadrilátero Urbano têm uma identidade forte. O seu desafio é trabalhar em conjunto para criar um polo atrativo a norte do Porto capaz de competir com as cidades maiores.

De acordo com Joana Fernandes, “as cidades pequenas e médias são a espinha dorsal da Europa”. Para Joana Fernandes, “a identidade não é algo encapsulado no tempo; está sempre a evoluir e em constante mudança”. No segundo dia do encontro transnacional da Cities@Heart em Braga, a rede organizou uma mesa redonda com as quatro cidades, colocando questões sobre como manter o equilíbrio e desenvolver um sentido de identidade saudável nos centros das cidades. Ao trabalharem em conjunto nas suas próprias estratégias distintas, as cidades da Quadrilátero Urbano podem evitar a fuga de cérebros e atrair investimento sustentável, tornando o Noroeste de Portugal um polo competitivo de inovação, preservação do património e cultura.

Em junho de 2024, a rede URBACT Cities@Heart organizou a sua terceira reunião transnacional nas quatro cidades da Quadrilátero Urbano, em Portugal. O encontro teve como objetivo centrar-se nas questões da identidade e dos novos modelos de oferta.

 

Traduzido do original em Inglês, publicado por Suzanne Pergal em 18/03/2025

Suzanne Pergal é, atualmente, responsável pela comunicação e pela participação pública na rede Cities@Heart do URBACT e trabalha para a internacionalização do setor da economia de proximidade na Grande Metrópole de Paris, uma autoridade pública que representa 7,4 milhões de habitantes e 130 cidades da área da Grande Paris.

Submitted by on 04/07/2025
author image

Maria João Matos

See all articles