Transição para a economia circular: o "poder" do setor da construção na criação de cidades melhores

Edited on 28/09/2020

O que significa, em teoria, a economia circular no setor da construção e qual é a situação atual? Quais são os principais desafios e necessidades e como podemos dar-lhes resposta, começando por agir localmente e transferindo os sucessos alcançados no sentido de criar cidades melhores? O projeto da Rede de Planeamento de Ação (APN) URGE procura uma primeira abordagem à questão da circularidade no setor da construção, tendo em vista um impacto importante nas políticas locais e contribuindo, assim, para a realização das ambiciosas metas e objetivos europeus.

O projeto URGE

O projeto URGE (Circular Building Cities), uma das Redes de Planeamento de Ação aprovadas no âmbito do URBACT III, visa a conceção de planos de ação no âmbito da circularidade no setor da construção, acelerando, assim, a transição para a economia circular. A rede, liderada pela Cidade de Utrecht, é constituída por grandes cidades como Copenhaga (DK) e Munique (DE), cidades de média dimensão, como Utrecht (NL) e Riga (LV), e pequenas cidades como Maribor (SI) (representada pela empresa Nigrad), Kavala (EL) e a Comunidade Intermunicipal do Oeste (PT).

No âmbito da Fase 1, desenvolve-se uma análise mais aprofundada sobre a situação de cada cidade, com o intuito de se proceder ao levantamento das respetivas necessidades e elaborar um plano de ação específico para atenuar as dificuldades, explorar as oportunidades e encontrar soluções que reforcem a circularidade no setor da construção.

O que é um edifício circular?

"É um edifício que é desenvolvido, utilizado e reutilizado sem depleção de recursos, sem poluição ambiental e sem degradação de ecossistemas desnecessários, que é construído de uma forma economicamente responsável e contribui para o bem-estar das pessoas e da biosfera."

Os edifícios circulares têm um impacto positivo nos Materiais, na Energia, nos Resíduos, na Biodiversidade, na Saúde e Bem-Estar, na Cultura Humana e na Sociedade, podendo, além disso, gerar múltiplas formas de valor.

Em que ponto se encontra hoje a economia mundial em termos de circularidade?

Apenas 9% da economia mundial é circular, consubstanciada em 8,4 mil milhões de toneladas de materiais reciclados, contra 84,4 mil milhões de toneladas provenientes de recursos extraídos. Dos materiais não reciclados, a maioria perde-se, inviabilizando a sua recuperação - quer dispersos sob a forma de emissões, quer de resíduos irrecuperáveis. A habitação, a alimentação e a mobilidade representam, em conjunto, mais de 82% da pegada material total.

Nos próximos 30 anos, estima-se que o volume de construção nova seja igual aos valores atualmente registados. O setor da construção, em rápido crescimento, está entre os maiores produtores mundiais de resíduos: todos os anos são produzidos 1,3 mil milhões de toneladas de resíduos de construção e demolição em todo o mundo, metade dos quais provêm da construção.

Por conseguinte, é crucial encontrar novas soluções circulares, especialmente no setor da construção.

O caso da Europa

O setor da construção na Europa é estratégico para as economias da maioria dos países. Cerca de 4 em cada 10 habitações na Europa foram construídas antes de 1960, uma época em que as práticas de construção eram deficitárias de acordo com os padrões atuais. A prioridade é manter e preservar o que já está construído e, caso seja necessário proceder à renovação ou demolição, a ideia é fazê-lo através de um processo circular, em que os materiais podem entrar novamente no setor da construção e ser reutilizados de forma adequada.

A ambição da Comissão Europeia é acelerar a transição para a economia circular, permitindo às cidades da UE conduzir o sistema internacional para além do atual modelo obsoleto baseado na lógica de fabricar, utilizar e deitar fora. Assim, dado que a economia circular é um conceito complexo e de grande alcance, a Comissão Europeia adotou, em dezembro de 2015, uma estratégia global, designada "Plano de Ação para a Economia Circular", em resposta à Agenda 2030, em que se reforçou o papel das autoridades públicas e das partes interessadas na aceleração da transição para a economia circular. Neste contexto, quatro anos após a aplicação bem-sucedida do Plano de Ação, um Livro Branco sobre economia circular do Fórum Económico Mundial (2018) e uma série de relatórios publicados, a Comissão Europeia identificou as seguintes necessidades, com vista a acelerar a economia circular:

  1. A economia circular é complexa. Por conseguinte, uma estratégia global centrada no “fecho do ciclo” e dirigida aos setores estratégicos é o melhor instrumento para abordar todos os seus aspetos.
  2. Há benefícios a curto e a longo prazo em fazer da economia circular uma prioridade entre departamentos dentro de uma instituição pública. Os serviços que se ocupam da proteção ambiental, da indústria, da investigação, da cooperação internacional e, potencialmente, de muitas outras questões, podem contribuir para integrar o conceito dentro e fora da instituição.
  3. A mudança circular é mais rápida quando os agentes económicos e a sociedade civil estão diretamente envolvidos. Uma política pública eficaz em matéria de economia circular precisa do apoio das empresas e da sociedade civil para maximizar os seus benefícios para o ambiente e para a economia.

O próprio setor da construção está consciente de que tem de alterar o seu modelo de gestão para se tornar circular e de que pode cumprir a nova abordagem da "utilização sustentável dos recursos" estabelecida no Regulamento Europeu dos Produtos de Construção.

No entanto, há ainda muito a fazer a nível local.

Ação local

Uma abordagem holística e integrada que contemple os diversos pontos de vista no planeamento da ação local é a chave para atingir os ambiciosos objetivos da UE em matéria de circularidade.

Um fator comum de sucesso na conceção de edifícios circulares é o envolvimento das partes interessadas desde o início. Com efeito, o estádio inicial do processo de conceção com utilizadores finais, técnicos, fornecedores e comunidades, tendo em consideração as necessidades de todos em geral, é crucial no desenvolvimento de uma estratégia global. Adicionalmente, a regulamentação dos contratos públicos poderá ser um importante instrumento com o poder de desempenhar um papel significativo na implementação de práticas de circularidade, enquanto, em termos de divulgação de conhecimentos, os projetos de edifícios acabados e a reutilização de edifícios e áreas podem servir para uma maior sensibilização e partilha de experiências. Por outro lado, considerou-se igualmente que a comunicação de dados públicos através de portais municipais, incluindo a discussão e a disponibilização de dados relativos a indicadores, é uma ferramenta poderosa para o envolvimento e motivação das partes interessadas, incluindo os cidadãos. Da mesma forma, um portfolio de acesso livre para a promoção de conhecimentos e competências, composto por um pacote de formação, indicadores, dados e boas práticas, aliado a diretrizes de aplicação de ferramentas específicas, como os sistemas Pay-as-You Throw (PAYT), pode melhorar a implementação dos princípios da economia circular a nível local. Por fim, sublinhou-se ainda o facto de que tudo isto jamais poderia ser eficazmente realizado se não fosse integrado num roteiro global para a gestão de recursos urbanos.

Estes temas foram levantados e discutidos no âmbito do projeto URGE, durante uma profícua reunião de kick-off em Utrecht, nos dias 15 e 16 de outubro de 2019. Muito está prestes a acontecer, a fim de se explorar plenamente as oportunidades e fazer realmente uso deste setor estratégico como um catalisador para cumprir os objetivos e metas de circularidade a nível local e da UE. Por isso, fiquem atentos!

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Texto da autoria de Eleni FELEKI, apresentado a 29 de janeiro de 2020

 

Submitted by Ana Resende on 16/07/2020
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Ana Resende

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