Os espaços públicos urbanos podem promover a igualdade nas cidades?

Edited on 04/09/2024

Com o Dia Internacional da Mulher ainda próximo, vamos analisar esta questão e muito mais.

 

Como podem as raparigas e mulheres sentir-se livres para se deslocarem nas ruas e passarem tempo em praças e parques sem sentirem desconforto ou medo? Que impacto tem o planeamento urbano na igualdade de género e na inclusão social? Ileana Toscano, Perita do URBACT III, analisa mais profundamente a igualdade de género nas cidades e a forma como o programa está a contribuir para uma transição justa.

Inspirando-se no relatório URBACT Gender Equal Cites (cidades igualitárias do ponto de vista do género) e nas atividades realizadas no âmbito do URBACT Knowledge Hub, tanto o projeto Erasmus plus “PART-Y - Participação e Juventude: Laboratório para a Igualdade nas Cidades”, como a Rede de Transferência URBACT Playful Paradigm II refletiram sobre a abordagem sensível ao género na conceção e utilização de espaços públicos urbanos.

Por um lado, o PART-Y centrou-se nos espaços públicos enquanto lugares de experimentação da democracia, introduzindo as metodologias de Placemaking (criação participada de espaço público de qualidade), Design Thinking e a abordagem Gender Equal Cites para promover o objetivo da ”geração de igualdade” promovido pela ONU Mulheres. Por outro lado, a Segunda Vaga da rede Playful Paradigm, com base na experiência bem-sucedida da primeira ronda Playful Paradigm, centrou-se nas atividades lúdicas enquanto ferramenta para repensar as cidades. Levou a “brincadeira” para além dos parques infantis, para dar às crianças, às raparigas, aos rapazes e a todos os cidadãos o “direito de brincar”, fomentando a transição para cidades mais inclusivas e habitáveis.

O PART-Y desenvolveu uma série de produtos para mobilizar os jovens para a igualdade em espaços públicos testando experiências de placemaking: um Manual e uma Caixa de Ferramentas “para construir projetos de placemaking sensíveis ao género”. Estes proporcionam um guia prático para transformar os espaços públicos urbanos em lugares belos e confortáveis para se viver. Trata-se de uma nova metodologia que enriquece as técnicas de placemaking, ligadas à criação de lugares urbanos pelas comunidades, com elementos retirados do design thinking – uma abordagem que produz soluções analíticas e criativas para resolver problemas complexos, utilizada principalmente para o desenvolvimento de produtos inovadores. Acrescentando a esta metodologia mista a perspetiva da igualdade de género, foi construída uma nova ferramenta eficaz que garante a igualdade de acesso e utilização da cidade, em particular para raparigas e rapazes.

Crianças a brincar (Cork City Council)
Crianças a brincar (Cork City Council)

Liderado pela associação italiana Kallipolis e co-implementado por um consórcio de sete entidades de diferentes países europeus, incluindo autoridades locais e associações como o Município de Trieste (IT), beneficiário do URBACT II, o Conselho Municipal de Cork (IE), um parceiro ativo da Playful Paradigm 1, teve a grande oportunidade de mais tarde partilhar a sua experiência de sucesso com outras cidades irlandesas; e a Umeå Kommun (SE), cidade piloto do URBACT no que toca às questões de género, recebeu um Selo de Boas Práticas URBACT em 2017, passando depois a liderar a Rede de Planeamento de Ação Genderedlandscape (2019 – 2022), estando no centro do primeiro relatório Gender Equal Cities. As três cidades estão altamente empenhadas em ações de placemaking para os respetivos cidadãos.

 

Umea
Frizon park (créditos: Fredrik Larsson)

 

 

A experiência de Umeå proporcionou uma inspiração sólida para o Manual do PART-Y e para o desenvolvimento de todo o projeto. Desde os anos 80, a cidade tem o objetivo geral de promover a igualdade de género, criando condições para que mulheres e homens, raparigas e rapazes, tenham o mesmo poder para moldar a sociedade e as próprias vidas. A Rede Genderedlandscape atesta o empenho do município nesta causa: esta foi a primeira rede europeia centrada no tema “género e cidade”. Entre outros, a cidade de Umeå aplicou o conceito de abordagem de género na conceção de um novo parque urbano chamado FRIZON – Zona Livre.

A FRIZON foi criada envolvendo apenas raparigas no processo de conceção conjunta, através da metodologia da “inclusão (de raparigas) pela exclusão (de rapazes)”, que ofereceu a possibilidade de as raparigas partilharem livremente os seus desejos para este novo espaço. Um dos desejos mais importantes expressos pelas raparigas foi o de terem um espaço livre de expetativas, onde pudessem passar tempo com as suas amigas e simplesmente estar, sem terem de representar. Uma zona livre de expetativas, daí o nome “zona livre”. Esta experiência em especial foi uma inspiração também para a Rede de Transferência de Segunda Vaga Playful Paradigm, uma rede spin-off liderada pelo Município de Udine (IT) que se centrou numa abordagem sensível ao género para parques infantis e espaços públicos urbanos.

 

De facto, uma remodelação de locais de lazer como recintos escolares, parques infantis e espaços recreativos mediante uma abordagem sensível ao género pode ser um contributo importante para a desconstrução dos estereótipos de género e das desigualdades desde a infância. Foi criado um gráfico animado chamado “Parques Infantis e Lugares Urbanos Sensíveis ao Género” para sensibilizar para a importância de considerar as necessidades das raparigas e dos rapazes ao conceber lugares para os mesmos. Ao mesmo tempo, as duas edições Playful Paradigm chamam a atenção das cidades para o ato de “brincar, algo essencial para a saúde, o crescimento físico e emocional e o desenvolvimento intelectual e educativo das crianças”.

 

Brincando, as raparigas e os rapazes aprendem sobre democracia, respeito e solidariedade. Os espaços para brincar que refletem estes valores são de enorme importância para a educação. Os dados têm demonstrado que existe uma desproporção na utilização de parques infantis e recintos escolares: os campos de futebol são frequentemente posicionados no espaço central que acolhe apenas alguns rapazes atléticos, ao passo que as raparigas e os rapazes pouco dados ao desporto são afastados. O redesenho dos espaços lúdicos deveria priorizar múltiplos ‘mundos’ lúdicos e cores neutras no que toca ao género, em vez de um único central, encorajando a interação entre raparigas e rapazes e múltiplas utilizações do espaço. Deveria também fomentar a criatividade e o envolvimento com a natureza, assim como o desporto e os jogos ativos. Isto permite às crianças escolher como interagir e brincar sem a pressão dos estereótipos.

 

A experiência mais recente Playful Paradigm teve ainda a oportunidade de acompanhar a importância do ”planeamento e brincadeira no âmbito do género”, encontrando-se com o Município de Barcelona (ES), em julho de 2022. Barcelona desenvolveu uma estratégia City Play inovadora que também engloba princípios de abordagem de género. A cidade partilhou uma importante lição com os parceiros da rede Playful Paradigm, abordando a criação de políticas locais e estratégias de planeamento urbano capazes de acolher as brincadeiras, o género e a regeneração do espaço público urbano para garantir o direito à cidade das crianças e dos mais desfavorecidos.

Parque infantil inclusivo (IStock)
Parque infantil inclusivo (IStock)

Assim, voltamos à questão: será que os espaços públicos urbanos podem promover a igualdade nas cidades? Podemos responder que SIM, podem e devem. O modo como os espaços públicos são concebidos e geridos tem um enorme impacto na difusão da democracia e na incorporação da inclusão de diversidades, bem como na consideração das necessidades de género. O #UrbanGirlsMovement, promovido pelo grupo de reflexão sueco Global Utmaning, partilhou o lema “ao planear uma cidade para raparigas, esta vai funcionar para todos”.

 

Priorizar as necessidades das raparigas na agenda política, especialmente com ênfase nas áreas de baixo rendimento, pode constituir um importante contributo para melhorar as condições de vida não só das raparigas e mulheres, mas também de todos os grupos desfavorecidos, de todos os cidadãos. Garantir o livre acesso a espaços públicos a diferentes horas do dia e da noite, tornando-os belos e confortáveis, permite que todos se sintam mais seguros. A integração da abordagem sensível ao género nas atividades de planeamento urbano pode levar as cidades europeias à inclusão e ao respeito pela diversidade, possibilitando lugares onde todos se sintam representados.

Igualdade género

 

O género está no centro das atividades do URBACT IV. O atual concurso para Redes de Planeamento de Ação é uma oportunidade única para repensar como a diversidade, a inclusão e a igualdade podem ser uma resposta fundamental a questões urbanas mais amplas. Veja todas as propostas relacionadas com o género para as redes na Ferramenta de Procura de Parceiros e saiba mais sobre o concurso.

 

 

Artigo da autoria de Ileana Toscano, submetido a 02/03/2023

Submitted by Maria João Matos on 29/03/2023
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Maria João Matos

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