As cidades URBACT impulsionam a aceleração da Europa rumo a uma economia circular

Edited on 21/07/2023

Rising temperatures

As soluções de economia circular urbana podem manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C, afirma a Dra. Eleni Feleki, Perita Líder da rede URGE.

 


 

Viaje connosco de volta a este artigo, publicado pela primeira vez em 2022, mas que continua a ser tão ou mais relevante, face às ondas de calor e altas temperaturas que atingem as cidades europeias. Eleni Feleki é agora Perita Líder da recém aprovada rede LET'S GO CIRCULAR!, que conta com Guimarães e a Lisboa E-Nova como parceiros.

 


 

Nas últimas décadas, a humanidade ultrapassou dois marcos importantes: o mundo consumiu mais de 100 mil milhões de toneladas de materiais por ano e está um grau mais quente.

O nível de aquecimento depende fortemente da definição do período de referência, do horizonte temporal futuro e do nível de emissões de gases com efeito de estufa. Entre as várias emissões de gases com efeito de estufa (GEE) produzidas pelas atividades humanas, o dióxido de carbono é o que mais contribui para as alterações climáticas, e deverá continuar a aumentar se não forem tomadas medidas. Nomeadamente, a neutralidade climática até 2050, que significa alcançar zero emissões líquidas de GEE por parte dos países europeus, investindo principalmente em tecnologias verdes inovadoras que facilitem a transição verde.

Sem sinais de abrandamento do aquecimento global, o Acordo de Paris sobre o clima, em 2016, foi um passo na direção da mudança de práticas, processos e comportamentos não sustentáveis. Mas mesmo que todos os 194 países que se comprometeram a tomar medidas contra as alterações climáticas como parte do Acordo de Paris cumpram as suas promessas de redução das emissões, o aumento das temperaturas ainda deverá atingir os 3,2°C neste século.

É necessário fazer mais para combater o aquecimento global rapidamente, e - como o URBACT City Festival demonstrou - cidades em toda a Europa estão a tomar medidas, mudando políticas e mentalidades, juntamente com as principais partes interessadas e cidadãos.  

 

A economia circular ajuda a cumprir os compromissos do Acordo de Paris para abrandar o aquecimento global

Estamos perante uma grande oportunidade não só para alcançarmos os nossos objetivos climáticos, mas também para preparar o futuro da nossa economia: a economia circular.

Os precursores da sustentabilidade começaram a olhar para a circularidade como uma alternativa ao modelo económico linear tradicional, e ainda generalizado, de produção e utilização de bens e serviços (produz, utiliza, deita fora) que depende de grandes quantidades de materiais e energia baratos e de fácil acesso.

A economia circular é um modelo de produção e consumo envolve a partilha, o aluguer, a reutilização, a reparação, a renovação e a reciclagem de materiais e produtos existentes, tanto quanto possível. Desta forma, o ciclo de vida dos produtos é alargado.

Na prática, isso implica a redução do desperdício ao mínimo. Quando um produto chega ao fim do seu ciclo de vida, os seus materiais são mantidos dentro da economia sempre que possível, podendo ser utilizados uma e outra vez, o que permite assim criar mais valor.

A circularidade tem um grande potencial para enfrentar os desafios que se colocam à sustentabilidade global, reduzindo o uso de matérias-primas e mantendo os materiais no circuito enquanto for viável. Isto reduz e minimiza a pegada ecológica de cada produto de origem humana e ajuda, assim, a mitigar as alterações climáticas.

 

A economia circular e o papel das cidades

O papel das cidades nesta transição circular é fundamental.

As cidades são motores de crescimento que necessitam de monotorização e controlo. São grandes contribuintes para as alterações climáticas, responsáveis por cerca de 76% das emissões de carbono. E apesar de ocuparem menos de 2% da superfície terrestre, são responsáveis por 75% do consumo de recursos naturais e 50% da produção global de resíduos. Em contrapartida, as cidades também são polos de atração de potencial criativo e, portanto, facilitadores da transformação social na transição para uma maior sustentabilidade, tanto no setor público quanto no privado.

As cidades estão entre os atores mais importantes que podem influenciar positivamente o desenvolvimento, abraçando a economia circular.

De acordo com o Relatório “Circularity Gap”, precisamos de atingir em média uma taxa de circularidade de 18% - parcela dos recursos materiais utilizados provenientes de resíduos reciclados, evitando a extração de matérias-primas primárias - para limitar o aquecimento global bem abaixo dos dois graus.

Atualmente esta taxa a nível global é de apenas 8,6%. E o pior é que em 2018, a taxa de circularidade a nível global era de 9,1%, portanto, a tendência está a descer. A boa notícia é de que precisamos apenas duplicar a taxa atual de 8,6% para limitar o aquecimento global bem abaixo dos dois graus.

A nível europeu, as coisas estão um pouco melhores. Em 2020, a taxa de circularidade da UE atingiu 12,8%.  Isto significa que quase 13% dos recursos materiais utilizados na UE provêm de resíduos reciclados. Esta informação tem por base dados sobre a taxa de utilização de materiais circulares publicados pelo Eurostat. Em comparação com 2019, a taxa de circularidade registou um aumento de 0,8%.

circular material

Mesmo que a UE pareça estar a cumprir bem em relação ao resto do mundo, ainda estamos a ficar para trás para atingir uma taxa média de circularidade de 18%. Por outro lado, é óbvio que o desempenho varia muito entre os Estados-Membros. Estas diferenças devem-se não só a diferentes compromissos de reciclagem em cada país, mas também a uma série de outras questões, incluindo fatores estruturais nas economias nacionais, níveis de compreensão e sensibilização para a temática da economia circular, legislação e barreiras institucionais e falta de infraestruturas.

Como é que podemos melhorar isso?

 

As Redes de Planeamento de Ação URBACT na luta para ajudar nesta transição

Os governos locais em muitas cidades estão a descobrir a necessidade urgente de aumentar a sua sustentabilidade e resiliência, bem como de contribuir na luta contra as alterações climáticas. Através do recurso à implementação de estratégias de economia circular, estes estão a avançar sem se desviar dos seus compromissos de baixo carbono. 

Reconhecendo estas necessidades, o programa URBACT III financiou 23 Redes de Planeamento de Ação através da sua convocatória de janeiro de 2019 com o objetivo de encontrar soluções para os desafios urbanos comuns. Estas redes reúnem parceiros de cidades de diferentes países europeus para partilharem experiências e aprenderem uns com os outros. Os parceiros produzem um Plano de Ação Integrado e têm a oportunidade de testar algumas soluções de pequena escala nas suas cidades.

Entre estas, duas redes URBACT tiveram um impacto particularmente importante no aumento da circularidade nas cidades europeias – a URGE: Circular Building Cities, liderada por Utrecht, e a Resourceful Cities, liderada por Haia.

A URGE, que significa 'circUlaR buildinG citiEs' é uma Rede de Planeamento de Ação URBACT no tema da economia circular no setor da construção - um grande consumidor de matérias-primas. Como existe uma lacuna na implementação dos princípios da economia circular neste setor, a URGE reúne nove cidades, de nove países da UE, para se inspirarem e aprenderem umas com as outras a desenvolver políticas urbanas integradas. Isto reforça a integração da circularidade nas tarefas de construção, contribuindo assim para cidades sustentáveis.

No setor da construção, a reabilitação de edifícios impôs-se rapidamente como um benefício imediato evidente, combinando um aumento da atividade local com uma necessária melhoria da eficiência. A construção é um dos setores que oferece terrenos propícios a uma mudança transformadora rumo a uma economia mais verde.

Simultaneamente, a necessidade de introduzir infraestrutura para armazenar, reprocessar e inovar com diferentes tipos de materiais, é elevada. Não só para materiais de construção, mas também para materiais provenientes de outras indústrias, como equipamentos elétricos e eletrónicos, ou têxteis, que não só produzem muitos resíduos, mas também oferecem grandes oportunidades de utilizar peças de reposição e criar produtos novos e mais sofisticados.

Neste sentido, a Resourceful Cities, uma rede de nove cidades de oito países da UE, tem procurado desenvolver a próxima geração de centros de recursos urbanos, para que possam servir de catalisadores, promovendo os impactos económicos, ambientais e sociais positivos da economia circular local. Facilitando a prevenção, reutilização, reparação e reciclagem de resíduos, os centros também funcionam como pontos de ligação entre cidadãos, novas empresas, investigadores e o setor público para cocriar novas formas de fechar circuitos de recursos a nível local, colocando as pessoas no centro da transição circular.

Ambas as redes utilizam o Método URBACT e a URBACT Toolbox para reunir os atores locais interessados em promover a economia circular.

 

Os bons exemplos da URGE: as redes Circular Building Cities e Resourceful Cities

Através do intercâmbio de conhecimentos, do acompanhamento de soluções de pequena escala, da elaboração de Planos de Ação Integrados - e muito mais - os parceiros das redes Resourceful Cities e URGE alcançaram resultados que irão perdurar para além do encerramento oficial das redes em agosto de 2022. As cidades celebraram exemplos de tais sucessos durante uma sessão dedicada à aceleração da economia circular no URBACT City Festival 2022. Eis alguns deles:

 

A governança para a economia circular: Copenhaga (DK)

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A economia circular é sobre a conexão dos fluxos de saída de uma indústria ou processo a outros para desenvolver cadeias de valor inovadoras. Mas para conseguir isso, precisamos de ter um lugar para armazenar os materiais, processá-los e transformá-los em algo diferente, que seja útil e economicamente valioso.

Além disso, outro grande obstáculo à reutilização de materiais e recursos está relacionado com a falta de incentivos, políticas inadequadas e incoerências na legislação que dificultam a utilização de produtos reciclados em larga escala.

Copenhaga, parceiro da rede URGE, revelou a importância de estabelecer um quadro operacional e institucional, a fim de se poder apresentar cadeias de valor inovadoras, impulsionar a inovação empresarial e sensibilizar os cidadãos.

A cidade propôs quatro ações-chave sobre governança para impulsionar a circularidade no setor da construção:

1.       Produzir um manual sobre compras circulares.

2.       Apoiar a legislação nacional (e internacional) a fim de permitir e incentivar a utilização de materiais secundários.

3.       Desenvolver infraestruturas não só a nível da cidade (tais como centros de recursos urbanos), mas de toda a região.

4.       Promover a sensibilização dos cidadãos através de projetos de reabilitação urbana, que funcionem como laboratórios urbanos vivos, onde os moradores concebam e criem os bairros, aplicando abordagens de economia circular.

 

Os centros de recursos urbanos: Mechelen (BE)

Desde 2020, a cidade de Mechelen estabeleceu como meta reduzir a sua pegada material em 30% até 2030, a fim de atingir as suas metas climáticas e fomentar uma economia verde competitiva em toda a região, na qual o crescimento é dissociado do uso de recursos. Em estreito diálogo com os atores locais e através da avaliação do potencial circular e social de cadeias de valor urbanas específicas para o desenvolvimento da economia da região, Mechelen optou por se concentrar em quatro centros de recursos urbanos a curto e médio prazo (objetivo 2030):

1.       Um centro alimentar onde os alimentos desperdiçados são recolhidos e redistribuídos às famílias vulneráveis ou transformados.

2.       Um banco de materiais ou vários centros para a reutilização de materiais de construção.

3.       Um centro têxtil onde as roupas e os tecidos são recolhidos (principalmente pós-consumo) e redistribuídos para reutilização, valorização ou reciclagem.

4.       Um centro comunitário que reúne todos os diferentes atores e oferece inspiração e espaço para a experimentação.

 

Mechelen

 

O papel das autoridades locais no apoio à transição circular das PME: Ciudad Real (ES)

Um papel muito natural para as autoridades locais na economia circular é o trabalho em rede, a criação de parcerias ou a reunião de diferentes partes para cooperação. As autoridades locais precisam de trabalhar em estreita colaboração com os atores industriais, a fim de os sensibilizar para as circunstâncias em mudança e incentivar as PME que, por sua vez, ajudarão a aumentar a procura de produtos fabricados de modo circular.

Ciudad Real, parceira da rede Resourceful Cities, identificou a necessidade de apoiar o setor empresarial, formado principalmente por PME, na compreensão da economia circular e das oportunidades que ela apresenta. Eis alguns exemplos de ações:

1.       Prémio local para a entidade mais circular, a fim de promover a adoção da economia circular entre os empresários.

2.       Formação em economia circular para que os empresários contribuam para a criação de novas empresas que incorporem elementos de circularidade desde as suas primeiras etapas, graças à formação e sensibilização dos empresários de Ciudad Real.

3.       Organização de hackathons para empresários de Ciudad Real a fim de promover novas ideias de negócios centradas em resolver desafios reais relacionados com a economia circular.

  

O papel dos parceiros industriais: Nirgrad d.d.o, Maribor (SE)

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Durante uma designada "ação de pequena escala" no âmbito da rede URGE, Nigrad d.d.o, uma empresa de serviços públicos de Maribor, produziu mobiliário urbano a partir de agregados reciclados que podem ser usados como bancos com um suporte para bicicletas.

Os bancos combinados com suportes para bicicletas são uma solução elegante e prática para decorar um parque urbano, o centro da cidade ou áreas em torno de escolas ou jardins de infância. Os bancos antigos, são desmontados e o betão transformado em betão 'verde' e utilizado nos bancos. Também se testaram peças reutilizáveis de madeira e sucata metálica.

 

As cidades e as comunidades URBACT já podem constatar os impactos positivos das suas ações de economia circular: Opole (PL) e Kavala (EL)

Opole, parceira da rede Resourceful Cities, abriu o seu Centro de Recursos Urbanos (URC) num edifício de lojas vazio no centro da cidade. O principal objetivo do seu URC era ter um espaço físico central para promover a redução, a reutilização e a reparação de materiais e aumentar a sensibilização e a participação dos residentes na economia circular. Num mês, 7,1 toneladas de materiais foram levadas para o centro e 6,4 toneladas de materiais foram enviadas para reutilização. O total de visitantes foi de 7.200. A autoridade local também recebeu dois prémios nacionais de governação local inovadora, relacionados com a loja ReUse, e procura agora ampliar os seus serviços de modo a incluir um Repair Café, com oferta de reparação de equipamentos eletrónicos, e encontrar um local para a reutilização e reparação de bens volumosos.

O Município de Kavala, no norte da Grécia, é parceiro da rede URGE: Circular Building Cities. Com base nas experiências adquiridas na rede URBACT Making Spend Matter, Kavala quis explorar o tema dos contratos públicos no setor da construção, na ótica das dimensões ambiental e económica da sustentabilidade e da economia circular.

Opole

 

Os departamentos municipais trabalharam numa abordagem participativa e integrada em conjunto com os ministérios, as autoridades regionais, os atores locais, as universidades - e a Ordem dos Engenheiros da Grécia, que desempenha um importante papel nacional ao propor especificações técnicas para a reutilização de materiais de construção e ao influenciar a regulamentação. No final, elaboraram um concurso para a reabilitação do acesso a uma rede de estradas rurais, utilizando materiais secundários.

Kavala está agora pronta para lançar o concurso que inclui critérios de economia circular, o que representa um avanço enorme a nível nacional no sentido de mudar as mentalidades e considerar alternativas à prática comum linear.   

 

Olhando para o futuro: O legado local duradouro do URBACT

O URBACT proporcionou a oportunidade de colaboração entre 18 cidades europeias com experiência na procura de soluções de economia circular.

A URGE e a Resourceful Cities acordaram em continuar a trabalhar juntas após a conclusão oficial das suas redes URBACT. Os parceiros de ambas as redes continuarão a reunir-se digitalmente, a fim de encontrarem soluções comuns e implementarem os seus Planos de Ação Integrados. O financiamento será uma das questões mais importantes para todas as cidades. Uma base sólida foi formada para alcançar os resultados pretendidos. Mais importante ainda, os parceiros de ambas as redes reconhecem a importância de trabalhar numa abordagem integrada e participativa e de explorar oportunidades para manter os seus Grupos Locais URBACT ativos e, além disso, continuar a expandir as redes. Existem várias ideias para alcançar isto, incorporando o Grupo Local URBACT no ecossistema de governança local.

Ambas as redes procuram também gerar impacto fora dos limites de seus projetos.

Utrecht, Parceiro Líder da rede URGE, organizou um evento político em julho de 2022, no qual os coordenadores locais da URGE responsáveis pelo desenvolvimento de Planos de Ação Integrados em cada uma das nove cidades parceiras apelaram aos políticos para que apoiem o objetivo de se tornarem circulares até 2050 ou ainda mais cedo. Os coordenadores do Grupo Local URBACT assinaram uma lista de recomendações URGE e destacaram a necessidade de apresentá-las aos vários níveis de governo - local, regional, nacional e europeu - e a outras partes interessadas relevantes.

No mesmo sentido, Haia parceiro líder da Resourceful Cities, preparou uma mesa-redonda sobre política para coincidir com a Semana Europeia das Regiões e das Cidades, em outubro de 2022. A isto somar-se-á uma visita de estudo a um dos novos Centros de Recursos Urbanos da cidade, a Impact Factory em Mechelen.

URBACT

 

A participação nas redes URBACT URGE: Circular Building Cities and Resourceful Cities tem sido uma experiência verdadeiramente valiosa, estimulante e proveitosa para todos os envolvidos. Dela resultaram relações de valor e, embora as redes estejam oficialmente a chegar ao fim*, o seu trabalho continuará tanto de forma independente como em colaboração, à medida que lutam por um sistema de consumo e produção mais inclusivo, justo e sustentável.

 

Submetido por Eleni FELEKI a 26/07/2022

*Nota: à data da publicação em língua portuguesa, as redes referidas já tinham terminado.

Submitted by Maria João Matos on 20/03/2023
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